Nação Zumbi no CCJ: abuso e spray de pimenta
Com uma divulgação de algumas semanas, aconteceu em 25 de abril o esperado show da “Nação Zumbi” no CCJ (Centro Cultural da Juventude) da Cachoeirinha. Enquanto esperávamos um evento inigualável na periferia da zona norte de Sampa, o que vimos foi o mesmo desrespeito de sempre. Às 14 horas uma enorme fila sem critérios se instalou e foi engordando em frente ao CCJ. Antes do início da distribuição dos ingressos, várias viaturas chegaram com diversos policiais militares que, naquele momento, apenas observavam o que acontecia. Às 17 horas, os ingressos foram distribuídos e o óbvio aconteceu: mais da metade do público presente ficou sem os bilhetes.
Enquanto aqueles que tinham ingressos formavam uma nova fila aguardando para entrar no centro cultural, o público sem ingresso se aglomerou em frente à entrada principal reivindicando o direito de assistir ao show que custou mais de R$ 15 mil de cachê aos bolsos dos cidadãos. Neste momento, a polícia militar tomou a cena: enquanto fingia pedir calma às pessoas, que começavam a se irritar com a falta de soluções, aproveitaram para escolher o melhor ângulo e lançar o repetitivo spray de pimenta democraticamente, ao alcance de todos. A multidão se dispersou junto ao gás e quem estava na fila não sabia se se irritava, indignava, corria, tossia, respirava ou tentava aguentar firme e ser um dos 500 privilegiados numa região de mais de 300 mil habitantes.
Em seguida, a polícia militar colaborou com os organizadores do show e juntos agilizaram a entrada do público com ingresso, antes mesmo dos acessos de tosse cessarem. Ao adentrar o CCJ, algumas pessoas reclamaram da atitude da organização e o que ouviram foram justificativas sobre a necessidade daquele ato. Ouviram ainda que o CCJ sempre estava de portas abertas à comunidade e às iniciativas locais – claro que disseram isso num tom menos conciliador do que triunfante – mas esse diagnóstico raramente é verificado pelos usuários do espaço. Falamos isso de causa própria, pois não é novidade o descaso deste CCJ com nossas atividades.
Com o passar dos minutos, o absurdo ficou ainda mais absurdo. A notícia que corria era que o show poderia ser cancelado em função do atraso, mas logo a banda entrou no palco e muitos dos que ainda pensavam naquilo que estava ocorrendo do lado de fora, logo esqueceram o que havia acontecido. O início das vibrações sonoras praticamente determinaram o fechamento dos portões. A cena era muito estranha, pois qualquer observador podia notar muitos espaços vazios no local da apresentação. A resposta para essa situação estava lá fora: muitas pessoas com os preciosos ingressos nas mãos foram impedidas de entrar. A expectativa de um público de 500 pessoas foi então frustrada.
Nossa intenção com a divulgação deste texto não é desmerecer a apresentação da Nação Zumbi. Pelo contrário, acreditamos serem necessários mais eventos com atrações como esta, representativa da cultura brasileira. No entanto, o que nos causa preocupação é a proposta de organização que atualmente se confunde com “favores”. “Façamos de qualquer jeito, o importante é que aconteça alguma coisa”, parece ter sido esse o pensamento que predominou na organização do evento.
E temos motivos para acreditar nisso. No caso particular do CCJ este pensamento parece incorporado em sua própria estrutura física. Assim, destacamos o anfiteatro que apesar de contar com amplo palco tem como personagem principal das peças apresentadas o desconforto físico e sonoro, pois qualquer ruído emitido de fora do espaço entra sem nenhum tipo de impedimento para dentro do espetáculo e, ainda, para que o espectador fique atento às cenas é necessário um verdadeiro malabarismo, uma vez que o posicionamento das precárias cadeiras da platéia nos trazem verdadeiros desafios e estão longe de oferecer uma percepção inusitada.
Na biblioteca, que conta com instalações de grande qualidade, mas com um acervo reduzido e apenas há pouco tempo disponibilizado à população, a tranqüilidade nunca é convidada e o som dos outros espaços do CCJ é o principal freqüentador deste reduzido acervo. Não podemos esquecer também – e talvez seja essa a origem de tantos problemas – que o atual Centro Cultural da Juventude se instalou em um prédio que estava abandonado e foi reaproveitado. Ou seja, originalmente não foi construído para abrigar um equipamento cultural.
Será que existem pontos positivos neste equipamento cultural? Obviamente que sim! Mas o que seriam eles senão o mínimo de dignidade que nosso suor em forma de impostos merece? Por falar em dignidade é necessário reconhecer quando esta se sobressai em momentos adversos. Assim, ao final do show, uma das “colaboradoras” desculpou-se com o público presente pelas cenas de violência e despreparo que ocorreram naquela tarde. Apenas lamentamos que o público que tentou acompanhar o show do lado de fora do CCJ talvez não a tenha ouvido.
Por fim, destacamos que o Centro Cultural da Juventude é um espaço público, mantido pelo dinheiro dos impostos pagos pela população à cidade de São Paulo. É, portanto, necessário que seja ocupado e caso não seja bem administrado a mesma população deve denunciar, interferir e exigir as mudanças necessárias. De certa forma é isso que fazemos aqui.
Obs.: Texto publicado originalmente no blog Sarau na Brasa e retransmitido aqui no nosso espaço, para que o maior número de pessoas fique sabendo do absurdo que aconteceu no dia 25 de abril de 2010, no show da Nação Zumbi, no CCJ.
2 comentários:
O ccj implica em uma hierarquia , onde quem está em seu topo , não tem convivência alguma com si quer camadas médias da sociedade. Trocando em miúdos, "Não sabe o que é favela"
Fazendo com que vários que lá trabalhem e muito(muitos deles conscientes e de acordo com essa publicação digna.)Mas talvez se sintam constrangidos por estarem dando o sangue pelo espaço mas não terem voz ativa por uma transformação visível.
Só tem um problema de um porco REI ,que segue as positivistas e fajutas idéias dos Neoliberais, determinando a um espaço de ordem pública funções eleitoreiras e voltada para a camada burguesa que nem ao menos se dirigi ao espaço.
Vide o espaço voltado ao Rap ou qualquer som que traga um público mais pobre.
são só interesses , passados de coordenador para coordenador , de político a político , brincando e manipulando o cotidiano até mesmo cultural de uma região.
Essa apresentação da Nação NUNCA deveria ter sido única. Três shows no mínimo para atender a população local. Foi uma insanidade. Coisa de gente despreparada e sem visão da realidade. Não se pode encarar um espetáculo desse como uma "atividade" da casa. A estrutura é outra. A organização é outra. É a velha mania de querer gerir um equipamento público sem ter cultura corporativa. Organização de casa de show mesmo. Trabalhei em equipamento público cultural há uns 20 anos atrás e vejo que nada mudou....
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